Bombril na Copa

A Geração Z que me perdoe, mas só entende da vida quem sabe a importância de um bombril enrolado na antena da tevê. Nas noites de antigamente, sem aviso e sem pedir licença, a imagem se rebelava numa explosão de riscos metálicos para desespero da família brasileira. 

“Não, de novo não”, diziam minhas irmãs. Num pulo, a mãe pegava o bombril na cozinha e o colocava na ponta da antena. A imagem ressurgia nítida, perfeita, alívio na sala. Pra mim, o grande mistério sempre foi e sempre será o seguinte: a pane não acontecia num momento trivial, mas na cena decisiva do filme, no plantão da Globo, no beijo mais esperado da novela e, claro, na Copa do Mundo.

Às vezes, no entanto, o bombril não dava jeito, quem dava jeito era o pai. “Vem comigo, Fernando”, ele dizia, marchando porta afora, escada sob o braço para fincá-la no terreno da nossa casa. Minha missão era das mais importantes: segurar a escada enquanto o pai escalava o céu e ajeitava a antena no telhado. 

A mãe e minhas irmãs o guiavam sem vê-lo, olhos grudados na tevê. “Tá melhor, piorou, agora sim, piorou outra vez, aí, deixa assim”. Quando for grande, eu pensava, caberá a mim escalar o telhado. Talvez por isso, por medo de altura, nunca tive pressa de crescer. 

Numa tarde de 1986, no momento mais importante do ano, a imagem endoidou. Copa do Mundo, quartas de final, Brasil e França na disputa de pênaltis. Cadê o bombril? No nervosismo, ninguém o encontrou. 

Lá foi o pai, eu atrás, mãos na escada. Quando a imagem voltou, problema resolvido, o choque da realidade – a seleção havia perdido. “Faz parte do jogo, faz parte da vida”, ele falou ao me ver chorando, “às vezes a gente perde”. 

Cresci, o país mudou, oito anos se passaram para que a gente enfrentasse outros pênaltis, agora contra a Itália na decisão. Com o bombril na antena desde o início, imagem límpida, vi Taffarel salvar a pátria, Roberto Baggio chutar pra fora e Galvão Bueno em delírio: “acabou, é tetra, é tetra”. Festança em casa, na rua, no bairro, no Brasil inteiro. O pai me deu um abraço que só os pais sabem dar e disse: “Tem dias que a gente vence, hoje é a nossa vez”.

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Crônicas Amarelas, Histórias que abraçam

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