– Desobediente

Vó Rosa tinha certeza de que morreria jovem. Quando fez 15 anos disse que não chegaria aos 20. Aos 30, estava convicta de que “partiria desta para melhor” antes dos 40. A cada aniversário, citava uma frase de Mário Quintana como se fosse um mantra: “as únicas coisas eternas são as nuvens”.

Ela não foi eterna, mas quase: morreu com 101 anos. Apesar das dores e das perdas, a primeira aconteceu na infância quando ficou órfã de mãe, Vó Rosa encarou a vida de peito aberto; adorava movimento, agito, gente. Uma semana antes de falecer, vítima de um AVC, esteve numa festa – vestido azul claro, cabelos brancos e curtos, arrumados em pequenos cachos, postura ereta – dançou a noite inteira.

Poucos amaram tanto a política, e as confusões da política, quanto ela. Meteu-se em campanhas, comícios e conspirações partidárias. Nunca ocupou cargo público, mas mandava e desmandava e não era raro vê-la ao telefone, puxando a orelha de deputados, prefeitos e governadores. Vó Rosa desobedeceu, solenemente, o machismo que insistia e insiste em delimitar territórios.

As pessoas gostavam de vê-la, abraçá-la e paparicá-la. O carisma e a aparência de algodão doce explicariam toda esta admiração? Explicam, em parte, mas havia algo mais profundo. Vó Rosa dizia o que pensava e fazia o que dizia, era autêntica. Mesmo quem ouvia o que não queria, se sentia atraído por essa sinceridade total. Hoje, com celular nas mãos, faria sucesso nas redes sociais.

Aos 100 anos, muito faceira, concedeu entrevista ao Diário Catarinense. Quando a jornalista Juliana Wosgraus lhe pediu dicas para uma vida saudável e longeva, disse: “o segredo é ter fé, comer tudo o que der na telha sem exageros, não remoer o passado, não temer o futuro e viver um dia de cada vez”.

E continuou: “quem espera para ser feliz depois que os problemas estiverem resolvidos vai cair do cavalo porque vida sem problema, todo mundo sabe, mas a maioria esquece, não existe.”

– Afinal, o que a senhora quer da vida? – perguntou a repórter no fim da entrevista.

– Eu quero é dançar – ela respondeu.

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Crônicas Amarelas, Histórias que abraçam

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